terça-feira, 5 de novembro de 2013

Simples Nacional – Inclusão da Advocacia e Outras Novas Atividades – Crítica à Exclusão de Atividades Exercidas por ME e EPP

Muitos pensam que este foi um ano de vitória para a advocacia brasileira, pois em 02/07/2013 o PLS – Projeto de Lei do Senado nº 105/2011 foi aprovado pelo Senado Federal. Em 04/07/2013 o projeto de lei foi remetido à Câmara dos Deputados, onde foi cadastrado como PLP – Projeto de Lei Complementar nº 295/2013. Desde então se encontra em trâmite naquela Casa.
Este projeto de lei complementar visa incluir o inciso XVI – serviços advocatícios no § 5º-B do art. 18 da Lei Complementar nº 123/06. O texto ficaria assim:
Art. 18.   O valor devido mensalmente pela microempresa e empresa de pequeno porte comercial, optante pelo Simples Nacional, será determinado mediante aplicação da tabela do Anexo I desta Lei Complementar.  
§ 5º-B.  Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 desta Lei Complementar, serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar as seguintes atividades de prestação de serviços:
XVI – serviços advocatícios.
Portanto, caso o projeto de lei seja aprovado pela Câmara dos Deputados, os serviços advocatícios serão incluídos no rol das atividades abrangidas pelo Simples Nacional, observado o teto relativo à receita bruta trazido pelo art. 3º da LC 123/06.
No entanto, cabe aqui criticar a exclusão de algumas atividades da referida lei complementar, pois a Constituição Federal, quanto às microempresas e empresas de pequeno porte, determina:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. 
 Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: 
I - será opcional para o contribuinte; 
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; 
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; 
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Note que a definição de microempresas e empresas de pequeno porte foi destinada à lei, a qual deverá definir tratamento diferenciado e favorecido para estas empresas. Portanto, é tarefa da LC 123/06 definir o conceito de “microempresas e empresas de pequeno porte”, o que foi feito no art. 3º:
Art. 3 º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: (Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011 ) (Produção de efeitos – vide art. 7º da Lei Complementar nº 139, de 2011 )
I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011 ) (Produção de efeitos – vide art. 7º da Lei Complementar nº 139, de 2011 )
II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011 ) (Produção de efeitos – vide art. 7º da Lei Complementar nº 139, de 2011 )
Observe que o único requisito trazido para se classificar uma empresa como micro ou pequena foi o econômico, ou seja, as empresas (sociedade empresária, sociedade simples, empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 do CC/02) que aufiram, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 poderão ser optantes do Simples Nacional. Desse modo, excluir da abrangência da lei micro ou pequenas empresas em razão da atividade exercida demonstra contradição na própria lei. É nesse sentido que se posiciona o ilustre Professor Kiyoshi Harada ao escrever o artigo denominado “Simples Nacional - Inclusão de novos setores da atividade”, publicado no site do Fiscosoft*:
“A liberdade do legislador neste particular é bastante ampla, porém, uma vez definido o que sejam microempresas e empresas de pequeno porte essas passam a gozar dos benefícios diferenciados. A Lei Maior não delegou ao legislador ordinário a faculdade de excluir do regime especial as microempresas e empresas de pequeno porte definidas como tais, muito menos estabelecer exceções casuísticas a essas exclusões. Essa forma de interpretar estaria correta se o texto constitucional subordinasse à fruição do regim diferenciado das microempresas e empresas de porte aos termos da lei. Mas, não foi o que aconteceu.
art. 3º dessa lei complementar definiu, de forma objetiva, que microempresa é aquela que aufira em cada ano calendário, receita igual ou inferior a R$ 360.000,00, e que empresa de pequeno porte é aquela que em cada ano-calendário aufira receita bruta superior a R$ 360.000,00 e inferior ou igual a R$ 3.600.000,00.
Com essas definições objetivas todas as empresas situadas nos patamares mencionados no que diz respeito à receita bruta anual, independentemente, do setor da atividade econômica exercida, ficam sob o regime de pagamento diferenciado de tributos, observadas as demais exigências legais ou regulamentares.
Não é possível ao legislador, de forma discricionária, vedar esta ou aquela empresa classificada como microempresa ou empresa de pequeno porte de ingressar no Simples Nacional.
Importante notar que o art. 179 da CF não se utiliza da expressão "nos termos da lei" que confere ampla discricionariedade ao legislador infraconstitucional. A dicção constitucional é "microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas em lei".
Verifica-se que o legislador complementar optou claramente pelo critério objetivo baseado na receita bruta anual para definir essas empresas.
Entretanto, o que se vê na prática é a exceção que o legislador complementar vem abrindo à regra proibida. A primeira atividade intelectual de natureza técnica a ser incluída no regime do Simples Nacional foi a de contabilidade. Inúmeros outros setores pleiteiam a inclusão como aqueles onde atuam os engenheiros e arquitetos, os corretores de imóveis, etc.”
O nobre autor ainda menciona o PLP 237/2012, o qual traz inúmeras alterações relevantes à LC 123/06, especialmente a inclusão de novas atividades abrangidas pela lei complementar, tais como serviços vinculados à saúde, engenharia e advocacia. Sim, este projeto, embora muito mais abrangente, também inclui a advocacia entre as atividades abrangidas pelo Simples Nacional, tal como o PLS nº 105/2011.
Contudo, cabe ressaltar que, nesta questão relativa às atividades abrangidas pela lei, os projetos de lei em tramitação estão deixando a desejar, pois o mais correto seria que trouxessem alteração que ensejasse a inclusão ampla e irrestrita de todas as atividades, utilizando como critério de diferenciação da micro e pequena empresa apenas o limite da receita bruta auferida, o que daria efetiva aplicabilidade ao art. 3º da LC 123/06.

*Inteiro teor do artigo no link abaixo:


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Refis da Crise

Tenho visto vários questionamentos acerca do chamado “Refis da Crise”, ou seja, o programa especial de pagamento de débitos tributários federais. Portanto, acho importante tecer algumas considerações sobre este tema.
O parcelamento de débitos federais, em regra, observa o disposto na Lei nº 10.522/02, a qual possibilita o parcelamento de débitos de qualquer natureza em até 60 parcelas mensais. Os limites e restrições aplicáveis são trazidos pela própria lei. Esta modalidade é comumente conhecida como parcelamento ordinário, uma vez que não possui data limite à sua adesão.
O Refis, por sua vez, foi instituído pela Lei n 11.941, em 27 de maio de 2009. Trata-se de programa especial de pagamento de débitos federais, com vantagens bastante notáveis a alguns contribuintes em débito com a Receita Federal. Contudo, diferentemente do parcelamento ordinário, esta modalidade especial possui prazo para adesão, razão pela qual é necessário que ele seja “reativado” a cada período de tempo pela legislação.
O Refis da Crise, ora vigente, nasceu com a conversão da Medida Provisória nº 615 na Lei nº 12.865/13, cujo art. 17 reabriu, até 31/12/2013, o prazo previsto no § 12º do art. 1º e no art. 7º da Lei nº 11.941/09, que trazem as datas limites à opção por este programa. No entanto, foi necessária a edição da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 7 de 15 de outubro de 2013, a qual regulamenta a reabertura do  Refis.
Feitas tais considerações legislativas, vamos verificar a possibilidade de adesão, as vedações e as reduções trazidas pelo Refis da Crise, que leva em conta o disposto na Lei nº 11.941/09 e na Portaria 07/2013:

Possibilidade de Adesão:
- O prazo de adesão é de 21/10/2013 a 31/12/2013 para pagamento ou parcelamento de débitos junto à Procuradoria da Fazenda Nacional e à Secretaria da Receita Federal do Brasil.
- Apenas os débitos vencidos até 30/11/2008, que não tenham sido parcelados até 08/10/2013, poderão ser objeto do programa vigente. No entanto, os débitos parcelados de acordo com a Lei nº 10.522/02 (parcelamento ordinário), cuja 1º solicitação de parcelamento tenha sido efetuada após o dia 11/10/2013, poderão ser parcelados através do Refis.
- Os débitos abrangidos podem ser de pessoa física ou jurídica, consolidados por sujeito passivo, constituídos ou não, com exigibilidade suspensa ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa, mesmo que em fase de execução fiscal já ajuizada.

Vedações:
- Os débitos que já foram parcelados nos termos da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 06/2009 não podem ser objeto do programa vigente.
- O programa não abrange os débitos oriundos do Simples Nacional.

 Reduções:
O Refis da Crise traz as seguintes possibilidades de pagamento ou parcelamento:
I - pagos à vista, com redução de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício, de 40% (quarenta por cento) das multas isoladas, de 45% (quarenta e cinco por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal;
II - parcelados em até 30 (trinta) prestações mensais e sucessivas, com redução de 90% (noventa por cento) das multas de mora e de ofício, de 35% (trinta e cinco por cento) das multas isoladas, de 40% (quarenta por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal;
III - parcelados em até 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas, com redução de 80% (oitenta por cento) das multas de mora e de ofício, de 30% (trinta por cento) das multas isoladas, de 35% (trinta e cinco por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal;
IV - parcelados em até 120 (cento e vinte) prestações mensais e sucessivas, com redução de 70% (setenta por cento) das multas de mora e de ofício, de 25% (vinte e cinco por cento) das multas isoladas, de 30% (trinta por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal; ou
V - parcelados em até 180 (cento e oitenta) prestações mensais e sucessivas, com redução de 60% (sessenta por cento) das multas de mora e de ofício, de 20% (vinte por cento) das multas isoladas, de 25% (vinte e cinco por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal.

No caso de pessoas jurídicas, fui informada que a adesão ao Refis é feita através do e-Cac (Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte), sendo necessário cadastro prévio no sistema. Normalmente, quem guarda o código de acesso e a senha (ou certificado digital) do e-Cac é o contador da empresa.
É evidente a impossibilidade de se exaurir a matéria neste breve texto, mas acredito estarem presentes informações suficientes à compreensão do surgimento do Refis da Crise, bem como os requisitos para a adesão e as vantagens trazidas caso se opte por pagar o débito à vista ou parcelá-lo. As demais informações necessárias ao caso concreto deverão ser verificadas na legislação apontada.


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O Novo IPTU Progressivo de Goiânia

          Redigi um texto com intuito de esclarecer os proprietários de imóveis em Goiânia sobre a alteração na lei que regulamenta o IPTU, o qual segue abaixo:

Inicialmente, cumpre esclarecer que o atual Código Tributário Municipal determina que o IPTU seja calculado através da multiplicação do valor venal do imóvel e da alíquota relativa à zona fiscal em que este se situa, sendo que Goiânia divide-se em quatro zonas fiscais, cada uma com uma alíquota diferente da outra.
A Constituição Federal, por sua vez, possibilita que o IPTU seja progressivo em razão do valor do imóvel e que as alíquotas aplicáveis sejam diferentes conforme sua localização e destinação. Registre-se que a Lei Complementar nº 233, de 14/09/2012, acresceu o art. 273-A no Código Tributário Municipal, onde restou definido que a partir de 1º/01/2014 o IPTU será progressivo em razão do valor do imóvel, possibilitando a variação das alíquotas em razão de sua localização e utilização. Desse modo, visando efetivar o disposto na Constituição Federal e na Lei Complementar citada, o Prefeito de Goiânia, em 08/08/2013, enviou à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Complementar nº 31 (PLC nº 31), que visa a aplicação efetiva do disposto na naquela lei.
Destarte, a figura das “zonas fiscais” deixará de existir, pois a lei traz a aplicação de alíquotas progressivas. Inclusive, a progressividade atribuída ao novo IPTU relaciona-se com a alíquota aplicável ao cálculo do imposto, a qual será proporcional ao valor venal do imóvel, ou seja, quanto mais alto o valor venal maior será a alíquota aplicada. Desse modo, os proprietários de imóvel com valor venal alto deverão arcar com um tributo maior que aqueles proprietários de imóvel cujo valor venal seja menor.
Ademais, a legislação permite que tais alíquotas sejam diferenciadas em razão da destinação do imóvel, que será classificado em residencial, não residencial e vagos/não edificados/não utilizados. Por exemplo, a alíquota aplicável a um imóvel residencial cujo valor venal seja entre R$ 100.000,00 e R$ 200.000,00 será de 0,0050%; caso esse imóvel não seja destinado ao uso residencial, a alíquota será de 0,0080%.
Consideramos a nova forma de calcular o IPTU mais justa e igualitária, pois desse modo homenageia-se o princípio da capacidade contributiva e, especialmente, o princípio da isonomia. Isto porque é lógica a presunção de que os proprietários de imóveis cujo valor venal seja mais alto possuem maior capacidade financeira de pagamento do imposto do que aqueles proprietários cujo valor venal seja menor. Trata-se de desigualar os desiguais na medida de sua desigualdade.

No entanto, caso a nova sistemática do IPTU enseje aumentos exorbitantes no valor do imposto de alguns contribuintes, que de um ano para o outro serão obrigados a arcar com o IPTU 50%, 100% ou 150% mais alto, temos grave infração às normas constitucionais, notadamente ao princípio da segurança jurídica, pois não há argumento plausível que justifique tal aumento em tão pouco tempo. Portanto, caberá ao contribuinte ficar atento ao imposto que terá que arcar e, caso note discrepâncias exorbitantes, deverá verificar junto a um advogado a possibilidade de se questionar tal valor.    

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A Abusiva Taxa Judiciária de Goiás

O cidadão que desejar ajuizar uma ação cível na justiça goiana deverá arcar com todas as despesas processuais, salvo se for beneficiário da justiça gratuita ou se a causa puder ser ajuizada nos Juizados Especiais Cíveis. No entanto, quem não possui tais benefícios deverá arcar integralmente com tais despesas. As custas iniciais do processo são, normalmente, a despesa mais alta que se tem, pois são compostas, dentre outros, pelo valor devido ao protocolo, à distribuição, ao contador, aos oficiais de justiça, bem como pela taxa judiciária, que corresponde à maior parte dessas custas, podendo alcançar mais de 90% de seu valor total.
Taxa judiciária é o tributo cobrado pela utilização do serviço prestado pelo Poder Judiciário. Todavia, é um tributo vinculado, ou seja, o seu pagamento deve guardar relação direta com o serviço efetivamente prestado. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela necessidade de haver uma “equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar”.
Tal posicionamento é louvável tendo em vista a doutrina relativa ao estudo da taxa, bem como a realidade em que vivemos. Afinal, existem ações que exigem mais trabalho da justiça que outras. Por exemplo, as ações que necessitam de grande produção de provas (audiências, perícias) e durem mais tempo exigem mais trabalho da justiça do que aquelas ações que necessitam apenas da análise da lei pelo juiz, sem produção de provas.
Nesse sentido, existem ações mais simples que outras. No entanto, o Estado de Goiás, por meio da Lei Estadual nº 11.651/91, determina que o valor dessa taxa seja calculado levando-se em conta apenas o valor dado à causa, que é prescrito pela legislação. Para tanto, a lei estabelece que o valor mínimo da taxa judiciária será de R$ 51,00 e o valor máximo será o altíssimo montante de R$ 74.000,00 (Lei nº 17.914/12, art. 1º), afora o restante das despesas processuais.
Conclui-se, portanto, que o Estado de Goiás está realizando a cobrança de seus contribuintes de forma errônea, o que os onera injustificadamente, uma vez que não existe qualquer proporção entre o serviço judicial prestado e o valor atribuído à taxa judiciária, não obstante o Supremo Tribunal Federal já ter se manifestado no sentido de permitir o cálculo da taxa judiciária com base no valor da causa, desde que mantida a correlação com o custo da atividade prestada (ADI 3826). A situação é tão absurda que o próprio Tribunal de Justiça de Goiás já declarou, em análise a certo caso concreto, a inconstitucionalidade dessa taxa (Arguição de Inconstitucionalidade Incidental nº 355-8/199 - Processo nº 200800914346).

Tal manobra arrecadatória é grotesca, pois não observa os limites jurídicos impostos à cobrança dos tributos e deve ser alvo de repúdio por todos os militantes da área jurídica, conquanto a maior prejudicada é a sociedade goiana. Destarte, cabe a todos os cidadãos a oposição face à sanha arrecadatória estatal e, especialmente, aos juristas locais, que devem pautar sua atuação na boa aplicação da lei, visando erradicar os abusos existentes.

*Este texto foi publicado pelo jornal O Popular, de Goiânia/GO, em 13/08/2013. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A LC 118/05 e a Repetição de Indébito

Quanto ao direito do contribuinte pleitear a restituição do pagamento indevidamente efetuado, o art. 168 do CTN dispõe:
Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário
II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
Destarte, o inciso I do artigo acima ensina que o prazo prescricional quinquenal começa a ser contado após a extinção do crédito tributário. Ao interpretar tal dispositivo, o STJ, inicialmente, concluiu que, no caso dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, tal extinção ocorreria com a 1º) homologação expressa do pagamento, momento em que se iniciaria a contagem do prazo prescricional da repetição de indébito, ou 2º) com o transcurso do prazo decadencial previsto no art. 150, § 4º, CTN (homologação tácita), caso em que teríamos o transcurso de cinco anos após a ocorrência do evento e, posteriormente, mais cinco anos para o contribuinte pleitear a repetição de indébito. O Ministro João Otávio de Noronha do STJ explica:
“Para a pretensão contida na ação de repetição de indébito de tributo sujeito a homologação, o Superior Tribunal de Justiça consagrou a tese dos "cinco mais cinco", ou seja, o prazo prescricional é de cinco anos contados da homologação, a qual, se tácita, ocorre depois de transcorridos cinco anos do fato gerador.” (EREsp  998.678/RS, DJe 26/06/2013)
Todavia, o advento da Lei Complementar nº 118 de 2005 modificou tal posicionamento, pois trouxe alterações relevantes quanto à prescrição do direito do contribuinte pleitear a restituição, uma vez que os seus arts. 3º e 4º determinam que:
Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.
Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
O art. 3º da referida lei dispôs que, nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o pagamento antecipado (art. 150, § 4º, CTN) extingue o crédito tributário. Portanto, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de repetição de indébito conta-se do pagamento efetuado; e não mais da homologação desse pagamento, expressa ou tácita.
Em suma, o inciso I do art. 168 do CTN ensina que o direito de pleitear a restituição, ou seja, de ajuizar a ação de repetição de indébito, nos casos em que tenha havido pagamento indevido (art. 165, incisos I e II, CTN), extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário. Quanto aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, efetuado o pagamento antecipado pressupõe-se a extinção do crédito. Assim, o direito de pleitear a restituição extingue-se após cinco anos contados do pagamento.  
No mais, o art. 4º da LC 118/05 dispôs sobre o prazo de vacância da lei, que seria de 120 dias, mas ressaltou que, quanto ao art. 3º, dever-se-ia observar o art. 106, inciso I do CTN:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
É evidente, portanto, o intuito do legislador de aplicar a nova regra aos pagamentos realizados antes da entrada em vigor da lei, o que poderia prejudicar vários contribuintes, uma vez que quando estes realizaram o pagamento possuíam um prazo maior para pleitear sua restituição.
Ante tal situação, o STJ, por meio do REsp n. 1.002.932/SP (Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 18.12.2009), firmou entendimento no sentido de que a alteração trazida pela LC118/05 só seria aplicada aos recolhimentos realizados já na vigência da aludida lei complementar. Portanto, se o pagamento do tributo ocorreu antes da vigência da lei, aplicar-se-ia a “tese dos cinco mais cinco”.
Com a edição da Lei Complementar n. 118/2005, estipulou-se que o referido prazo prescricional inicia-se com o pagamento antecipado. Esta Corte, por meio de recurso especial representativo de controvérsia (REsp n. 1.002.932/SP, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 18.12.2009), firmou entendimento no sentido de que a alteração só seria aplicada aos recolhimentos realizados já na vigência da aludida lei complementar. (Retirado do voto do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, relator do EREsp  998.678/RS, julgado em 19/06/2013, DJe 26/06/2013)
Todavia, posteriormente, o STF, no julgamento do RE 566.621/RS, de relatoria da Ministra ELLEN GRACIE, que reconheceu a repercussão geral da matéria, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da LC 118/05, pois entendeu não se tratar de lei interpretativa, conquanto inovou no ordenamento jurídico ao reduzir substancialmente o prazo prescricional da repetição de indébito. Ademais, ressaltou que a lei tributária não poderia retroagir para agravar a situação do contribuinte. Inclusive, definiu que o novo regime, previsto no art. 3º da LC 118/2005, alcançaria as demandas ajuizadas depois de sua entrada em vigor, ou seja, 09.06.2005.
Tal ementa é bastante interessante, razão pela qual segue na íntegra:
DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005.
Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN.
A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova.
Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação.
A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça.
Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal.
O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos.
Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário.
Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido.
(RE 566621, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 EMENT VOL-02605-02 PP-00273)

Obs.:

STF, Súmula nº 445 - 01/10/1964 - Redução Legal do Prazo Prescricional - Aplicabilidade e Vigência - Processos Pendentes - A Lei 2.437, de 07.03.1955, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (01.01.56), salvo quanto aos processos então pendentes.

terça-feira, 16 de julho de 2013

AS TESES DOS CINCO MAIS CINCO DO STJ

O art. 173, inciso I do CTN ensina que o direito da Fazenda Pública de constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado e não foi. Por exemplo, se o lançamento (independentemente de sua modalidade) deveria ter sido efetuado até maio de 2012 e não foi, o prazo decadencial do direito da Fazenda Pública constituir tal crédito tributário iniciaria no dia 01/01/2013 e terminaria 5 anos após, em 01/01/2018.
Já o art. 150 do CTN, que trata do lançamento por homologação, em seu § 4º ensina que a Fazenda Pública terá cinco anos para homologar a antecipação do pagamento feita pelo contribuinte, contados do fato gerador. Caso ela não se manifeste neste prazo, considerar-se-á homologado o “lançamento”* e extinto o crédito tributário, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Ao interpretar ambos dispositivos, em 1995, o STJ concluiu que, quanto aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, após a ocorrência do evento (fato gerador in concreto) contar-se-ia cinco anos para que o Fisco procedesse à homologação (art. 150, §4º); caso isso não ocorresse, no primeiro dia do exercício seguinte seria iniciada a contagem de mais cinco anos para que o Fisco procedesse ao lançamento de ofício (art. 173, inciso I). O ilustre professor Eduardo Sabbag explica com clareza a situação:
“Curiosamente, o STJ, a partir de 1995, passou a entender viável a cumulação de prazos, concebendo os dois artigos – art. 173, I e art. 150, §4º - como normas cumulativas ou concorrentes, isto é, não reciprocamente excludentes. Assim, o prazo decadencial passou a encontrar lastro na intitulada tese dos cinco mais cinco (5+5), por meio da qual o dies a quo do prazo do artigo 173 é o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do artigo 150, § 4º.”
Os seguintes recursos são bons exemplos da aplicação desse entendimento: RESP 69.308 – 1995; EResp 132.329 – 1999; RESP 198.631 – 2000.
Desse modo, havia quem dissesse que o prazo decadencial do direito do Fisco constituir o crédito tributário seria de 10 anos, contados da ocorrência do evento, nada obstante os dizeres expressos da legislação. No entanto, não é bem assim, pois o início do segundo prazo de cinco anos não começa a contar no dia seguinte ao término do primeiro prazo, mas apenas no primeiro dia do ano seguinte. O professor acima citado exemplifica:
“À luz do entendimento do STJ, no bojo da tese dos cinco mais cinco (5+5), o tributo com fato gerador em 15-02-1995, em que tenha havido falta de pagamento, poderá ser objeto de lançamento até 31-12-2005 (dies ad quem), ou seja, aproximadamente onze anos a contar do fato gerador.”
São inúmeras as críticas doutrinárias à adoção desse posicionamento, pois o § 4º do art. 150 diz que, expirado o prazo da homologação, deve-se considerar definitivamente extinto o crédito tributário. Assim, para que conceder mais cinco anos para a Fazenda Pública efetuar o lançamento de ofício, se, conforme prescreve a legislação, o crédito tributário já estaria extinto? Segue no mesmo sentido as críticas trazidas por Eduardo Sabbag:
  “... o STJ, ao considerar o dies a quo como o dia em que se deu a perda do poder de lançar, desloca para o infinito a ocorrência da decadência. (...)
Ademais, a solução é mesquinha e lamentável do ponto de vista dos direitos do cidadão porquanto mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos. Perguntar-se-á: qual a lógica em somar, ao primeiro lustro, um novo prazo quinquenal de decadência, quando o lançamento já não pode ser efetuado, haja vista já se encontrar definitivamente extinto o crédito?”
Atualmente, este posicionamento foi superado e a jurisprudência consolidada do STJ ensina que a decadência do direito do Fisco constituir o crédito tributário é regida pelo art. 150, § 4°, do CTN, quando se trata de tributo sujeito a lançamento por homologação e o contribuinte realiza o respectivo pagamento parcial antecipado, sem que se constate a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. No entanto, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo não ocorre, aplica-se o art. 173, I, do CTN. Observe:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4º, e 173, do CTN. IMPOSSIBILIDADE.
1. O prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito (Precedentes da Primeira Seção: REsp 766.050/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 28.11.2007, DJ 25.02.2008; AgRg nos EREsp 216.758/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22.03.2006, DJ 10.04.2006; e EREsp 276.142/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 13.12.2004, DJ 28.02.2005).
2. É que a decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o crédito tributário pelo lançamento, e, consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, entre as quais figura a regra da decadência do direito de lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que o contribuinte não efetua o pagamento antecipado (Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 163/210).
3. O dies a quo do prazo quinquenal da aludida regra decadencial rege-se pelo disposto no artigo 173, I, do CTN, sendo certo que o "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" corresponde, iniludivelmente, ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda que se trate de tributos sujeitos a lançamento por homologação, revelando-se inadmissível a aplicação cumulativa/concorrente dos prazos previstos nos artigos 150, § 4º, e 173, do Codex Tributário, ante a configuração de desarrazoado prazo decadencial decenal (Alberto Xavier, "Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro", 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, págs.. 91/104; Luciano Amaro, "Direito Tributário Brasileiro", 10ª ed., Ed. Saraiva, 2004, págs.. 396/400; e Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs.. 183/199).
5. In casu, consoante assente na origem: (i) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (ii) a obrigação ex lege de pagamento antecipado das contribuições previdenciárias não restou adimplida pelo contribuinte, no que concerne aos fatos imponíveis ocorridos no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1994; e (iii) a constituição dos créditos tributários respectivos deu-se em 26.03.2001.
6. Destarte, revelam-se caducos os créditos tributários executados, tendo em vista o decurso do prazo decadencial quinquenal para que o Fisco efetuasse o lançamento de ofício substitutivo.
7. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ, REsp 973.733/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 18/09/2009).
Outrossim, deve-se tomar cuidado para que não se confunda a malfadada tese criada pelo STJ com a aplicação dos prazos de decadência e prescrição trazidos, respectivamente, pelos arts. 150/173 e 174 do CTN. Isto porque a Fazenda Pública possui cinco anos para constituir o crédito tributário e, após tal constituição definitiva, possui mais cinco anos para ajuizar a ação de cobrança desse crédito, ou seja, a execução fiscal. Anis Kfouri Jr. explica essa última situação:
“Considerando que o art. 174 do CTN estabelece que o prazo para prescrição tem início com a constituição definitiva do crédito tributário e, considerando que § 4º do art. 150 do mesmo Código estabelece que a homologação do tributo ocorre somente após decorridos 5 anos do fato gerador, chegou-se à conclusão lógica, em breve resumo, que a partir do fato gerador seriam aplicáveis 5 anos para sua constituição definitiva e a partir de então o prazo de 5 anos previsto no art. 174 relativo a prescrição, interpretação que ficou conhecida como 5+5. (...)
Imaginemos que um tributo teve fato gerador em 2005, não tendo sido lançado, o que só ocorreu nos últimos dias antes de operar-se a decadência, em 2010, com a lavratura do auto de infração. Dessa forma, a partir de então, desde que definitivamente constituído, conta-se o prazo de 5 anos relativos à prescrição, que poderia chegar a 2015.”
Por fim, há ainda uma terceira hipótese que também é conhecida como Tese dos Cinco Mais Cinco, relativa ao direito do contribuinte pleitear a restituição do pagamento indevidamente efetuado. Nessa seara, o art. 168, inciso I do CTN ensina que o prazo prescricional quinquenal começa a ser contado após a extinção do crédito tributário.
O STJ entendeu então que, no caso dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, tal extinção ocorreria com a homologação do pagamento, momento em que se iniciaria a contagem do prazo prescricional da repetição de indébito, ou com o transcurso do prazo decadencial previsto no art. 150, § 4º, CTN, caso em que teríamos o transcurso de cinco anos após a ocorrência do evento e, depois da homologação tácita, os cinco anos para o contribuinte pleitear a repetição de indébito. O Ministro João Otávio de Noronha do STJ explica:
“Para a pretensão contida na ação de repetição de indébito de tributo sujeito a homologação, o Superior Tribunal de Justiça consagrou a tese dos "cinco mais cinco", ou seja, o prazo prescricional é de cinco anos contados da homologação, a qual, se tácita, ocorre depois de transcorridos cinco anos do fato gerador.” (EREsp  998.678/RS, DJe 26/06/2013)
Todavia, o advento da Lei Complementar nº 118 de 2005 alterou tal posicionamento, pois determina que a extinção do crédito tributário mencionada no art. 168, inciso I do CTN ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.
Tal tema exige delongada explanação, razão pela qual convido o leitor a ler o próximo texto aqui publicado, intitulado “A LC 118/05 e a Repetição de Indébito”. Adianto apenas que atualmente o STJ aplica o prazo de cinco anos previsto no art. 168, inciso I do CTN, contado da data do pagamento, para as demandas ajuizadas após o início da vigência da referida LC, ou seja, 09.06.2005.

Observação:
"Lançamento"* - Para quem acredita que o lançamento não é ato privativo do Fisco, o dispositivo foi redigido corretamente, uma vez que o contribuinte, ao antecipar o pagamento e cumprir com suas obrigações acessórias, estaria, de fato, lançando o tributo, ainda que tal lançamento possa ser revisado posteriormente pelo Fisco. No entanto, para aqueles que acreditam ser o lançamento ato privativo do Fisco, conquanto o mesmo fica a mercê da homologação – expressa ou tácita – do Fisco, o dispositivo se referiria então ao pagamento realizado pelo contribuinte. Assim, caso o contribuinte não tenha antecipado o pagamento, não haveria o que o Fisco homologar, razão pela qual o prazo decadencial aplicável seria o previsto no inciso I do art. 173 do CTN, ignorando-se o do art. 150, §4º. 
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Anis Kfouri Jr. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 241/242.

Eduardo Sabbag. Manual de Direito Tributário. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. Pg. 791/793.






segunda-feira, 8 de julho de 2013

Prescrição e Prescrição Intercorrente

Como já disse Luciano Amaro, citado por Anis Kfouri Jr., “a certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, da possibilidade de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclamá-lo. Dormientibus non succurrit jus.
Assim, no intuito principal de enaltecer o princípio da segurança jurídica, tida por autores como Paulo de Barros Carvalho como um sobreprincípio, conquanto visa garantir a todos a necessária sensação de segurança advinda da legislação e dos atos judiciais/jurídicos praticados, a prescrição e a decadência evidenciam a impossibilidade de determinado direito se perpetuar, ou seja, todo direito deve terminar em algum momento, o qual a legislação deverá explicitar.
Em primeiro lugar, antes de adentrarmos ao estudo da prescrição, deve-se esclarecer o que é decadência, pois a confusão entre estes institutos jurídicos é grande. Inclusive, cabe relembrar que a decadência e a prescrição tributárias, embora tenham o mesmo objetivo, aplicam-se de modo diferente das outras áreas do Direito. Paulo de Barros Carvalho traz a definição de decadência aplicável a qualquer ramo do Direito, observe:
“A decadência ou caducidade é tida como fato jurídico que faz perecer um direito pelo seu não exercício durante certo lapso temporal.”
Contudo, ao se aplicar tal instituto no direito tributário, sua conceituação é alterada. Vittorio Cassone e Maria Eugenia Teixeira Cassone definem, por exemplo, o que é a decadência do direito do Fisco efetuar o lançamento (arts. 150, §4º e 173 do CTN):
“Decadência é a perda do direito potestativo de a Administração Pública constituir o crédito tributário através de lançamento, em face de decurso do prazo estabelecido em lei.”
Já Eurico de Santi, citado por Anis Kfouri Jr., acrescenta ao conceito de decadência tributária, a definição de decadência do direito de o contribuinte repetir o indébito tributário (art. 168, CTN):
“A decadência do direito do Fisco corresponde à perda da competência administrativa        do Fisco para efetuar o ato de lançamento tributário e decadência do direito do contribuinte  corresponde à perda do direito de o contribuinte pleitear administrativamente o débito com o Fisco.”
Lado outro, a prescrição é comumente conhecida como a perda do direito de ação. No âmbito tributário, Vittorio Cassone e Maria Eugenia Teixeira Cassone, explicam que “prescrição é a perda do direito de ação para a cobrança do crédito tributário.”
Já Eurico de Santi, citado por Anis Kfouri Jr., conceitua a prescrição tributária:
“A prescrição do direito do Fisco corresponde à perda do direito de o Fisco ingressar com o processo executivo fiscal, e a prescrição do direito do contribuinte corresponde à perda do direito de ação de que o contribuinte é titular para efetivar seu direito ao débito do Fisco.”
Portanto, a doutrina é unânime no sentido de que, fluindo o prazo prescricional estabelecido pela lei sem que o titular do direito deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á a prescrição. Ora, se a prescrição está estritamente ligada com a propositura da ação cabível, dentro do prazo fixado por lei, o que seria prescrição intercorrente?
A primeira conclusão obtida é que esta é diferente da prescrição acima conceituada, uma vez que se trata, em termos gerais, da perda do direito de dar continuidade à ação proposta, cujo processo será extinto.  A confusão advém do uso da palavra “prescrição”, que traz imensas ambiguidades, pois embora recebam nomes que incitam a correlação entre os institutos, de forma a que a “prescrição intercorrente” derivaria da “prescrição”, a verdade é que são ficções jurídicas distintas e mereciam nomes também distintos.
Vittorio Cassone diz que “é a prescrição que surge após a propositura da ação que, inicialmente produto de entendimento doutrinários e jurisprudenciais, foi introduzido pela Lei nº 11.051/04, acrescentando o § 4º ao art. 40 da Lei 6.830/80 (...).” Como a legislação tributária prevê expressamente o reconhecimento da prescrição intercorrente nos processos de execução fiscal, não há profundas discussões sobre o assunto, haja vista a clareza do art. 40 da Lei nº 6.830/80, bem como da Súmula nº 314 do STJ, que diz:
STJ, Súmula 314 – 2005 – Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.
Assim, quando o devedor não for encontrado ou não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz da execução fiscal deverá suspender o processo por um ano. Se, após decorrido esse prazo, a situação permanecer a mesma, o processo deverá ser arquivado. Se da decisão do arquivamento decorrer o prazo prescricional sem que se tenha localizado o devedor ou bens penhoráveis, o juiz, após ouvir a Fazenda Pública, poderá reconhecer a prescrição intercorrente de ofício.
Salienta-se que a legislação faz ressalva quanto ao prazo de prescrição, pois determina que ele não correrá após a suspensão do processo. Imagina-se que tal prescrição se refira à perda do direito do Fisco de ajuizar a execução fiscal (art. 174, CTN) e não ao da prescrição intercorrente. No entanto, se a execução fiscal já foi ajuizada e já houve despacho do juiz ordenando a citação, o que enseja a interrupção da prescrição (art. 174, I, CTN), a ressalva trazida pelo caput do art. 40 da Lei nº 8.630/80 é desnecessária, pois a prescrição já estaria interrompida.
Outrossim, observe que nem a lei nem a súmula mencionam quanto tempo a Fazenda Pública poderá tentar citar o devedor ou encontrar bens penhoráveis. Ante a omissão, devemos aplicar analogicamente o princípio do livre convencimento do juiz, ou seja, caberá ao magistrado, ao verificar as reiteradas tentativas infrutíferas da Fazenda, determinar a suspensão do processo. Trata-se de bom-senso.
Observe também que a lei não trouxe o prazo aplicável, uma vez que menciona apenas “prazo prescricional”. No entanto, a súmula acima transcrita solucionou eventual dúvida esclarecendo que o prazo deverá ser de 05 anos.
No mais, é imprescindível que, após decorrido o prazo prescricional e antes da decretação da prescrição intercorrente, o juiz intime a Fazenda Pública a se manifestar sobre o transcurso de tal prazo, pois esta deve ter a oportunidade de trazer aos autos matéria impeditiva ao reconhecimento da prescrição intercorrente. É dessa forma que o STJ se posiciona:
(...) É cabível o reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente em execução fiscal desde que a Fazenda Pública seja previamente intimada a se manifestar, possibilitando-lhe a oposição de algum fato impeditivo à incidência da prescrição. Precedentes. (...). (STJ, RMS 39.241/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 19/06/2013)
Demonstramos até agora os requisitos e pontos falhos da legislação. No entanto, o STJ, além do transcurso do prazo prescricional, em entendimento recente e inovador, tem exigido que este se dê em razão da inércia do credor e não de demora atribuível ao aparelho judiciário. Portanto, além do transcurso do prazo, o STJ exige a comprovação de que a Fazenda Pública permaneceu injustificadamente inerte durante tal período. 
(...) A pacífica jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que somente a inércia injustificada do credor caracteriza a prescrição intercorrente na execução fiscal. REsp 1306331/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7.8.2012, DJe 14.8.2012. (...). (AgRg no AREsp 284.088/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 15/04/2013)

Quanto ao âmbito administrativo tributário, não se reconhece a incidência de prescrição intercorrente. É nesse sentido súmula editada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e dos julgados da SEFAZ/GO:
Súmula nº 11, CARF: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.
“(...) I - Rejeita-se a arguição de prescrição intercorrente, por ser incabível no Processo Administrativo Tributário (PAT); (...). (Conselho Administrativo Tributário – SEFAZ/GO, PAT nº 3010885052084, Data do Julgamento: 20/09/2011)
Nada obstante, deve-se discordar do posicionamento adotado pelos órgãos administrativos tributários, pois a Fazenda Pública possui, no âmbito administrativo, benefícios que desigualam a paridade de armas supostamente existente entra ela e o contribuinte, conquanto figura como juiz e parte. Ademais, tendo em vista o sobreprincípio da segurança jurídica, o contribuinte não pode aguardar, perpetuamente, providências cabíveis ao Fisco, seja como parte, seja como juiz, permanecendo em situação de prolongada incerteza. Corrobora deste posicionamento Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"Prescrição e processo administrativo. Como a matéria de prescrição é, agora, de ordem pública, o julgador administrativo tem o dever de reconhecê-la ex officio no processo administrativo, independentemente da provocação ou alegação da parte a quem aproveita."
Por fim, cabe ressaltar a inexistência de prescrição intercorrente no Direito Civil, onde não há legislação que trate da matéria. O texto do art. 40 da Lei 6.830/80 não pode ser aplicado a essa esfera do Direito, conquanto incompatível em sua maior parte, uma vez que a inércia no processo de conhecimento – e até mesmo nas cautelares – enseja sua extinção sem resolução de mérito (art. 267, incisos II e III do CPC). Observe o que dizem Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"Prescrição intercorrente. Inexistência do direito processual civil. A prescrição intercorrente existe apenas no direito processual do trabalho, inexistindo no direito processual civil."
 A dúvida, no entanto, persiste quanto às execuções de títulos judiciais e extrajudiciais. Ou seja, se o exequente não conseguir localizar o devedor ou não encontrar bens penhoráveis poderia perder o direito ao crédito advindo do título executado, em decorrência do lapso temporal, através da decretação de prescrição intercorrente e extinção do processo? Essa não nos parece a melhor solução, posto que claramente injusta. É nesse sentido os dizeres de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"Prescrição intercorrente. Falta de bem penhorável. Não se consuma a prescrição intercorrente se o credor não deu causa ao não andamento da execução, quando, por exemplo, não existe bem penhorável do devedor."
Por fim, cumpre ressaltar que a inércia do Poder Judiciário não pode ensejar prescrição intercorrente, pois estar-se-ia prejudicando o titular do direito por situação alheia à sua vontade. É o que dizem os autores supra mencionados:
"Demora não ocasionada pelo autor. A norma consagrou a jurisprudência predominante nos tribunais superiores, no sentido de que a demora da citação ocasionada pela lentidão da máquina judiciária, sem que a ela o autor tivesse dado causa, não poderia prejudicá-lo (...)."

BIBLIOGRAFIA
Anis Kfouri Jr. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 237.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado. 11ª edição. São Paulo: RT, 2010. Pg. 489/496.
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 535.
Vittorio Cassone e Maria Eugenia Teixeira Cassone. Processo Tributário. 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. Pg. 34.
Vittorio Cassone. Direito Tributário. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2012.Pg. 178.